O estigma da doença mental

Na Idade Média acreditava-se que agentes externos causassem as doenças mentais, tese essa propagada pela Igreja Católica. Galeno, um dos maiores expoentes da época, explicava a depressão pela psicobiologia, embora considerasse que fatores emocionais pudessem acentuar a sintomatologia, mas tais ideias não interessavam à Igreja, que considerava a perda da razão como uma marca do desfavor de Deus, uma punição para a alma pecadora.

A melancolia era considerada um afastamento de tudo o que era sagrado; a depressão profunda como uma possessão demoníaca, cujo demônio deveria ser exorcizado, ou a pessoa morrer. Os padres logo concluíram que Judas se enforcou porque deveria ser melancólico, portanto, demoníaco.

Cassiano, século V, reportava-se aos Salmos, para considerar a melancolia como “o demônio do meio-dia”, que aparecia tanto de noite quanto de dia. Evagrio considerava o desalento do melancólico como uma das oito tentações a que era preciso resistir na terra.

Na época da Inquisição alguns depressivos eram multados ou aprisionados. Naquela época a Igreja definia nove pecados capitais, sendo um deles a acedia (preguiça), palavra usada praticamente com o mesmo sentido da palavra depressão.

“O pároco de Chaucer a descrevia como algo que priva o pecador da busca de todo o bem, Acedia é um inimigo do homem porque é hostil ao esforço de qualquer tipo, e é também um grande inimigo da subsistência do corpo, pois não faz provisões para as necessidades temporais e até mesmo as desperdiça, estraga e arruína todos os bens terrenos pela negligência. Ela faz com que homens vivos [sejam] como os que já sofrem as dores do inferno. Torna o homem rabugento, um peso para os outros”. (Solomon, 2002, p.272)

A acedia era considerada um pecado que não suportava dificuldades, arrependimento ou penitência, tornando o homem assustado, apático, sonolento, desanimado, cansado, triste, irritado com a vida, propenso a terminar com a vida antes do tempo.

A desordem da mente era assustadora – a loucura era considerada um pecado.  A razão era necessária para permitir o autocontrole, a escolha da virtude.

O estigma ligado à depressão e à doença mental tem suas raízes na Idade Média, sendo as mesmas consideradas como imperfeições que causariam vergonha na sociedade, portanto uma aflição da alma abominável que necessitava ser escondida.

Passados tantos séculos, com tantas inovações e novos conhecimentos científicos alguns ainda consideram a depressão, a doença mental uma fraqueza, “uma falta do que fazer”, uma possessão que pode ser controlada apenas por rituais religiosos ou mágicos… Apesar de a religião poder ser um fator importante, a doença existe e precisa ser tratado também de modo farmacológico e psicoterapêutico, não podendo ser considerada um castigo ou escondida como uma fraqueza que gere vergonha. E uma doença séria que pode levar ao suicídio, não podendo ser negligenciada.

Salomon, A. O demônio do meio-dia – uma anatomia da depressão. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

 

 

 

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