Será que sou esquisito?

Matéria publicada em Now & Zen

Para a psiquiatria, ninguém é completamente normal, pois todos temos traços de personalidade pouco saudáveis que eclodem de vez em quando. Mas, em alguns, a personalidade demonstra uma inconstância vertiginosa. Pessoas assim podem ser portadoras do que a psiquiatria chama de distúrbios de personalidade. Onde está o limite entre uma personalidade patológica ou apenas diferente? Quando é que um comportamento é patológico ou apenas inconveniente do ponto de vista social? Em que casos uma pessoa precisa de tratamento? O assunto é fonte de intermináveis discussões entre os especialistas. “Sabe-se que as pessoas que apresentam personalidade anti-social têm alterações no córtex frontal, mas não se sabe se essa é a origem do comportamento anormal ou vice-versa”, afirma o professor Renato Sabbatini, neurocientista e professor de informática médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas.

Dependendo do distúrbio e de suas conseqüências, portadores de personalidades patológicas ficam internados em hospícios ou confinados em cadeias. Mas, na maioria dos casos, eles levam uma vida aparentemente normal. Trabalham, estudam e constituem família, como quase todo mundo.

As patologias podem ocorrer de forma isolada ou combinada: o paciente se enquadra em mais de um tipo ao mesmo tempo. Veja os dez principais transtornos:

1. Anti-sociais

O maníaco do parque, o Bandido da Luz Vermelha, o canibal Hannibal Lecter, de Silêncio dos Inocentes, e todos os serial killers americanos são classificados pelos psiquiatras como anti-sociais ou, como alguns dizem, sociopatas.

Esse tipo de transtorno impede que a pessoa tenha qualquer com o próximo e apego às regras da sociedade. A personalidade sociopata permite a seu portador roubar, maltratar, torturar, matar, estuprar sem remorso. “O anti-social é, entre os distúrbios de personalidade, o mais assustador para a sociedade”, afirma Sabbatini. Entre 1% e 4% da população mundial é portadora do problema. Nem todos, porém, passam para o mundo do crime. O anti-social pode se manifestar na figura de uma pessoa sem escrúpulos, por exemplo, que não se importa em prejudicar o colega de trabalho para subir na carreira ou alcançar seu objetivo.

2. Esquizotípicos

O esquizotípico tende a interpretar os acontecimentos de maneira bastante peculiar, atribuindo o que acontece a seu redor a forças ocultas.

Os sintomas característicos incluem pensamentos e percepções distorcidas da realidade, como acreditar que pessoas na rua estão fazendo comentários sobre eles ou ainda ouvir uma voz constantemente chamando seu nome. Os portadores desse distúrbio são suscetíveis a crises depressivas freqüentes.

3. Evasivos

O sentimento de inferioridade das personalidades evasivas as torna hipersensíveis às críticas, inseguras e com medo de se relacionar com outras pessoas, embora seu desejo maior seja de se inserir plenamente no convívio social. Os relacionamentos íntimos também são difíceis: o temor de ser ridicularizado ou de se sentir envergonhado é enorme. Os portadores dessa patologia podem ter medo de falar em público, de ser observados, de cometer erros, de assumir responsabilidades – tudo isso num grau muito maior do que a média das pessoas. Muitas vezes, a origem está na infância, por experiências adversas causadas por humilhações públicas ou por uma educação excessivamente rigorosa.

4. Histriônicos

É impossível não perceber a chegada da personalidade histriônica. Falando alto, gesticulando exacerbadamente, adotando um comportamento quase teatral, o histriônico procura sempre ser o centro das atenções de uma audiência que o aplauda e o venere. “Quando isso não ocorre, ele se sente rejeitado e sua frustração pode desestabilizá-los”, diz a psicóloga Rita Romaro, que pesquisou distúrbios no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Suas emoções geralmente são superficiais e infantis, como entregar-se a fantasias de se casar com aquele ator de televisão famoso e rico. Tende a ser egocêntrico, histérico e dono de um humor altamente instável. Como a realidade é dura, crises de depressão são freqüentes, havendo probabilidade de suicídio nos casos mais graves.

5. Esquizóides

O típico esquizóide é o adolescente alto e franzino que prefere a companhia de seu computador a de amigos ou de uma namorada. Os esquizóides são pessoas introspectivas, com incapacidade de ex-pressar os sentimentos e que mostram preferência pela fantasia ou por atividades isoladas em detrimento do relacionamento social. É como se eles se sentissem invadidos pelo contato com outras pessoas, como se houvesse uma incompatibilidade estrutural entre eles e o mundo. Assim, optam por se retrair, apresentam um humor pouco oscilante e são quase sempre tachados de frios. “Muitas vezes se notam comportamentos autísticos, como se nada lhes afetasse ou interessasse”, diz o professor Silvio Yassui, do departamento de psicologia clínica da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp. “Nos casos mais graves, o portador desse distúrbio se fecha num mundo delirante, próximo da esquizofrenia.”

6. Paranóicos

Adepta da teoria da conspiração, a personalidade paranóica caracteriza-se pela tendência de interpretar as atitudes dos outros como hostis ou de ter uma sensação de perseguição permanente. Essencialmente, o paranóico atribui a si mesmo uma importância maior do que a que ele realmente tem para os outros. Dessa forma, qualquer contrariedade pode acabar sendo desestruturadora. No casamento, é muito freqüente que a atitude paranóica se manifeste por meio de suspeitas quanto à fidelidade do cônjuge, mesmo quando não há razões concretas para isso.

7. Borderlines

Recebem essa denominação porque parecem estar sempre oito ou oitenta. Para eles não há meio-termo: ou estão exultantes ou se sentem péssimos. Amam ou odeiam. Baixa auto-estima, dúvidas quanto à própria identidade, sentimento de vazio, ansiedade e instabilidade parecem ser as características mais latentes do transtorno de personalidade border-line, que se manifesta sobretudo em mulheres. Estima-se que essa doença atinja 2% da população em geral, e, entre os pacientes psi-quiátricos portadores de distúrbios de personalidade, os borderlines ocupam uma parcela entre 30% e 60%. Toda a insegurança que envolve os borderlines pode gerar um comportamento violento, impulsivo e até mesmo auto-destrutivo, com automutilações e abuso de drogas. “Violências sexuais na infância e falta de um ambiente familiar estruturado podem estar na origem desse tipo de transtorno”, afirma a psicóloga Rita Romaro, que está lançando o livro Psicoterapia Breve Dinâmica com Pacientes Borderline: Uma Proposta Viável. Para ajudar o paciente a lidar com as crises e permitir que ele atinja melhor qualidade de vida, pode-se recorrer, entre outras alternativas, à psicanálise, à psicoterapia breve, a medicamentos ou à terapia familiar, segundo a psicóloga.

8. Dependentes

Tendência sistemática de deixar as decisões para os outros, confor-mismo e baixa estima são as principais características da perso-nalidade dependente. Os dependen-tes sentem-se desencorajados a encarar as exigências comuns da vida cotidiana, transferem sempre as responsabilidades para os outros e sentem a necessidade de ser ajudados para tudo. Seu principal temor é ser abandonados.

9. Narcisistas

Vaidosos, egocêntricos, eles se sentem o centro do mundo e tudo orbita a seu redor. Os narcisistas exigem tratamento especial, são intolerantes às críticas, crêem-se superiores e são capazes de manipular tudo e todos em proveito próprio. Vivem ancorados num ideal elevadíssimo de si mesmo, assim como consideram os demais seres de menor valor e, portanto, que lhe devem obediência. Dessa maneira, expõem-se também muito mais ao fracasso. Quando não são atendidos ou quando os demais não os tratam como superiores, exibem crises de depressão e ansiedade, o que os pode levar à dependência de substâncias tóxicas ou a comportamentos desesperados. “Nesses casos, também pode haver a criação de um mundo particular idealizado, que se assemelha a uma experiência esquizofrênica”, afirma Yassui. As origens desse tipo de distúrbio são ainda tema de debate entre os especialistas, mas as hipóteses mais cogitadas são uma educação exageradamente protetora ou carências afetivas na infância.

10. Obsessivos

O obsessivo é alguém que tem uma metodologia de ação própria, insensível à interferência externa e ao bom senso. Caracteriza-se por um culto ao perfeccionismo, meticulosidade e rigidez excessiva. Assim, pode haver uma obsessão quanto à arrumação de seus pertences, quanto à limpeza de um lugar, uma impulsão a lavar as mãos com uma freqüência exagerada ou uma sistematicidade exacerbada nas tarefas mais banais, como ler uma revista ou escrever um bilhete. Muitas vezes, essas manias acabam interferindo na produtividade do paciente. É quando, por exemplo, ele gasta um tempo fenomenal com a elaboração e a reformulação de cronogramas, listas de tarefas e reuniões desnecessárias, a ponto de perder o foco no objetivo final. O obsessivo pode ser aquele seu colega de trabalho cuja mesa está sempre arrumada ou que mostra certa dificuldade em aceitar mudanças. Se for um chefe, ele pode transformar a vida dos subordinados num suplício ao azucriná-los com cobranças absurdas. “O obsessivo pode ser capaz de se levantar duas horas mais cedo para cumprir um minucioso ritual de manhã, cujas etapas jamais são desobedecidas”, diz Rita.

Quem precisa de ajuda

Só um psiquiatra ou um psicólogo tem condições de diagnosticar se uma pessoa é ou não portadora de distúrbios de personalidade. Mas estar atento a alguns indícios que costumam acompanhar esses estados pode ajudá-lo a decidir se você ou alguém de seu relacionamento precisa de tratamento. Aqui está uma lista de aspectos ligados a padrões de comportamento típicos de personalidades patológicas.

Elas foram elaboradas com a consultoria do psiquiatra Henrique Schützer Del Nero*. Confira:

Você ou alguém próximo…

  • tem dificuldade de formar e manter amigos?
  • culpa os outros, a sorte ou as circunstâncias quando algo dá errado?
  • mente freqüentemente?
  • age impulsivamente?
  • costuma se envolver em relacionamentos intensos e tempestuosos?
  • comporta-se de modo autodestrutivo?
  • precisa ser admirado para estar satisfeito?
  • é excessivamente preocupado com a aparência?
  • é hipersensível a críticas?
  • é perfeccionista?
  • desconfia dos outros, mesmo quando não há motivo concreto?
  • é excessivamente preocupado com detalhes?
  • fica irritado quando nem tudo está em ordem e sob controle?
  • prefere passatempos solitários a se encontrar com amigos?
  • tem um sentimento vago de inadequação?
  • tem a impressão de ser à prova de emoções, sejam de alegria, sejam de tristeza?
  • veste-se ou se comporta de forma excêntrica só para chamar a atenção?
  • fica extremamente chateado quando se sente rejeitado?
  • vive discutindo com os colegas de trabalho ou da escola?
  • tem medo de ficar sozinho?
  • raciocina sempre em termos de ótimo/péssimo, amor/ódio, tudo ou nada?
  • passa por altos e baixos no dia-a-dia?
  • gasta mais do que ganha?
  • é capaz de aceitar uma idéia que lhe pareça idiota apenas para não discordar de seus colegas?
  • dirige de forma perigosa?
  • se acha melhor que os outros?
  • procura deixar que os outros tomem decisões por você?
  • tem dificuldade para iniciar projetos ou cumprir tarefas por sua própria conta?
  • evita relacionamentos íntimos?
  • faz o que não quer só para agradar a outras pessoas?
  • é extremamente fiel a regras, listas, horários, cronogramas e fluxogramas?
  • é tão devotado ao trabalho a ponto de não ter tempo para o lazer ou a família?
  • vive profissionalmente insatisfeito e trocando de emprego?
  • guarda suas opiniões para si e não as reparte nem mesmo com as pessoas mais íntimas?
  • tem vocação para se envolver em relacionamentos amorosos conturbados ou promíscuos?
  • não tem a menor vontade de fazer parte de uma família?
  • tem freqüentemente a impressão de que os outros estão falando sobre você?
  • não tem senso de humor?
  • parece estar sempre enrolado em diversos aspectos de sua vida, seja no trabalho, no amor ou em questões financeiras?

Você (ou alguém de seu relacionamento) se identifica com várias dessas questões? Uma consulta a um especialista vai ajudar a esclarecer se o caso necessita de tratamento.

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