Reflexões sobre o filme PRAÇA PARIS (2018)

Praça Paris (2018), direção de Carla Murati

Dentre os muitos aspectos envolvidos sociológicos, políticos, psicológicos, gostaria de fazer um pequeno recorte sobre os aspectos transferenciais e contratransferenciais, ciente da complexidade das situações apresentadas que são não serão objeto dessa reflexão.

Trata-se de um filme rodado no Rio de Janeiro, no qual uma psicoterapeuta portuguesa faz um atendimento na clínica psicológica da UERJ, o qual embasará sua tese de doutorado.

A pessoa atendida é uma mulher (Glória) que trabalha na universidade como ascensorista e mora em uma comunidade próxima dominada pelo tráfico e com um posto de policia pacificadora. Sua história é repleta de violência intrafamiliar (abandono materno, estupros pelo pai, irmão líder do tráfico, irmão assassinado e outras…) e externa, retratando a vida dos membros da comunidade sob a batuta da cultura do medo e suas regras, bem como a ação policial, o papel da religião…

À medida que o processo psicoterápico transcorre, importantes aspectos transferenciais e contratransferências eclodem, em uma realidade interna e externa violenta e perigosa, praticamente desconhecida pela terapeuta estrangeira, que fica impactada.

Gloria vai contando aos poucos sua história, podendo expressar outras facetas de sua personalidade, vivenciando na transferência seu apego pela terapeuta, mas também aspectos violentos e ameaçadores, seu temor do abandono.

Nesse momento gostaria de atentar para a necessidade de um suporte psicoterápico e de supervisão para o psicoterapeuta, principalmente ao trabalhar com aspectos tão crus e violentos, para que possa ir discriminando quais os riscos reais que a situação externa apresenta (risco de morte, por exemplo, no caso de historias de tráfico, violências, segredos, que podem mobilizar a persecutoriedade de pessoas que tenham ligação com o paciente e que se sintam expostas..) e os aspectos mobilizados em si que podem interferir de forma desastrosa no atendimento e na vida, como retratado nesse enredo.

Quando os aspectos transferenciais não são trabalhados, em grande parte pela atuação dos aspectos contratransferenciais a relação pessoal/profissional torna-se confusa, bem como a delimitação da identidade e da intimidade, comprometendo a compreensão e a efetividade do processo e interferindo negativamente na vida e na saúde mental dos envolvidos.

Cabe notar a existência da transferência/contratransferência e da realidade externa, que sempre precisa ser levada em conta, principalmente nos cenários violentos, nos que mobilizam persecutoriedade que por vezes pode ser fundamental para a sobrevivência.

O quanto estamos preparados psicologicamente, em um dado momento da vida, para lidarmos com determinados conteúdos trazidos pelo outro? Reconhecer e aceitar as próprias limitações são indicativos de ética e de saúde mental, nunca de fracasso ou incompetência.

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